Como as pessoas escolhem um produto, um celular, por exemplo? Assim inicia o texto de Samson que apresenta uma introdução à Economia Comportamental. Ele afirma que a forma como essas escolhas são apresentadas influencia as compras realizadas e ilustra com o exemplo uma série de conceitos das teorias da economia comportamental. Primeiro, quando o modelo básico do celular é mostrado pelo vendedor é estabelecida um padrão para a escolha. Quanto mais incertos os clientes estiverem sobre sua decisão, maior será a probabilidade de que optem pela configuração padrão, especialmente se ela for apresentada explicitamente como uma configuração recomendada. Em segundo lugar, o fabricante pode enquadrar as opções de forma diferente, empregando um modo de personalização “adicionar” ou “excluir” (ou algo intermediário). No modo de adição, os clientes começam com um modelo básico e depois adicionam mais ou melhores opções. Em um quadro de exclusão, ocorre o processo oposto, em que os clientes precisam desmarcar opções ou fazer downgrade de um modelo totalmente carregado. Pesquisas anteriores sugerem que os consumidores acabam escolhendo um número maior de recursos quando estão em um quadro de exclusão em vez de um quadro de adição. Por fim, a estratégia de enquadramento de opções estará associada a diferentes âncoras de preço anteriores à customização, o que poderá influenciar o valor percebido do produto. Se o produto final configurado terminar com um preço de £ 1.500, seu custo provavelmente será percebido como mais atraente se a configuração padrão inicial for £ 2.000 (totalmente carregado) em vez de £ 1.000 (base). Os vendedores envolver-se-ão num processo de experimentação cuidadosa para encontrar um ponto ideal – uma estratégia de enquadramento de opções que maximize as vendas, mas fixada num preço predefinido que dissuada um mínimo de potenciais compradores a considerar a compra da configuração básica. |
Como a Economia Comportamental pode contribuir para entender o fenômeno das Fake News (parte I)
(Mariana Flores Pinto)
Compreendidas como um ecossistema de informação, segundo Wardle (2017), as fake news podem envolver mensagens com o objetivo de entretenimento que acabam enganando algumas pessoas, como notícias inseridas em um falso contexto, como a manipulação de texto e imagens e até mesmo como o uso de fontes verdadeiras em informações falsas ou como a fabricação de conteúdo com objetivo de enganar pessoas.
O debate sobre o fenômeno vem ganhando bastante força, principalmente após as eleições estadunidenses, em 2016, e o possível impacto das notícias falsas no resultado das urnas.
A estrutura de propagação em massa dessas notícias falsas gira em torno de três principais eixos:
- O funcionamento das redes sociais;
- A queda da confiança nas instituições e na imprensa;
- A polarização e o hiperpartidarismo.
Funcionamento das redes sociais
Há uma enorme discrepância entre as curtidas e a leitura das notícias, 59% dos links não são abertos e, portanto, não são lidos. Uma notícia fabricada com o intuito de enganar utilizando uma manchete em tom alarmante pode ser suficiente para garantir um efeito viral do conteúdo (DEWEY, 2016).
A forma com que os links são compartilhados em redes sociais, como o Facebook, não explicitam a fonte, ou seja, uma notícia da Washington New Post e de um site desconhecido são apresentadas de forma semelhante para o usuário. Além disso, uma postagem é muitas vezes endossada pelo compartilhamento de alguém próximo, família ou amigos (CHEN, CONROY E RUBIN, p.158, 2015 apud DELMAZO; VALENTE, 2018).
Outro fator relevante é o uso de robôs e contas falsas para criar um ambiente de espontaneidade ou potencializar conteúdos. Pode até produzir uma sensação de urgência em se engajar aos assuntos por estarem em alta nas redes sociais.
E, por fim, os algoritmos presentes nas redes sociais possibilitam a identificação e uso de interesses/comportamentos para segmentação e veiculação de anúncios que podem ampliar o alcance de fake news personalizadas para determinado público.
Queda da confiança nas instituições e na imprensa
No Brasil, o DataFolha identificou a expansão da proporção de pessoas que não confiam na imprensa, de 69% em 2012 para 82% em 2018, ao passo que o país ocupa a segunda posição de maior consumo de internet para o uso das redes sociais. Esse contexto confere às plataformas um grande peso na formulação de opinião.
A polarização e o hiperpartidarismo
Segundo Ortellado, em entrevista ao Jornal Estado de São Paulo, o fenômeno de propagação das notícias falsas são uma combinação das redes sociais e a polarização, 12 milhões de pessoas foram identificadas como vetores de informações falsas no Facebook pelo monitoramento realizado pelo GPOPAI.
Em dissertação de mestrado defendida em 2019 (PPGCI/UFRJ), Silva afirma que o viés político partidário cria uma propensão maior em acreditar em uma notícia que prejudique o outro lado, garantindo ao usuário o compartilhamento de uma notícia falsa apenas por reforçar ou potencializar uma visão pré-existente.
Fator Psicológico
A Economia Comportamental pode contribuir para um maior entendimento do fator psicológico que envolve essa propagação. As características presentes nas notícias e o contexto em que estão inseridas, como em um cenário de polarização, por exemplo, podem reforçar vieses que são inerentes à psicologia humana.
A luz da psicologia, a Economia Comportamental parte da visão de que as pessoas nem sempre analisam todos os aspectos envolvidos em suas decisões, muitas vezes não pesam prós e contra e nem olham atentamente inconsistências. Elas possuem racionalidade limitada e comumente facilitam suas decisões usando regras de bolso, também conhecidas como heurísticas. Daniel Kahneman, prêmio Nobel de economia em 2002, ressaltou que as decisões nas quais utilizamos esses atalhos podem produzir resultados indesejados que chamou de viés. Essas características da psicologia humana podem contribuir para o entendimento do fenômeno de propagação de notícias falsas.
Heurística de Disponibilidade e WYSIAT
Nossas decisões podem ser influenciadas pela disponibilidade de informação no momento da escolha, pelo número de ocorrências ao nosso redor ou da capacidade de lembrança e associação. Determinadas doenças, eventos naturais como terremotos e enchentes e mesmo ganhar na loteria parecerão mais prováveis se conhecemos alguém que já passou por essas experiências. Quando reduzimos a quantidade de informações que levamos em consideração para uma decisão, restringindo nossa análise àquelas mais disponíveis em nossa mente, estamos usando a heurística da disponibilidade.
A percepção de disponibilidade de informação pode aumentar de acordo com a frequência com que as notícias aparecem quando viralizam, o que pode ser um elemento fundamental para a noção de importância ou veracidade de determinado fato ou argumento. Então anúncios ou posts segmentados para o objetivo de alcance do maior número de pessoas, combinados com alta frequência de visualização podem influenciar uma massa de pessoas.
Em seu Best Seller publicado em 2011, Daniel Kahneman afirma que quando colocado o fator notícias falsas nesse contexto é possível observar um sério problema, como “a familiaridade não é facilmente distinguível da verdade” (p. 70). Ou seja, uma fake news pode passar uma sensação de conforto cognitivo apenas porque a pessoa tem uma noção de que já ouviu falar daquilo em algum lugar em algum momento.
O livro de Kahneman, traduzido para o português como “Rápido e Devagar”, ressalta a existência de duas maneiras de pensar, uma rápida, com pouco esforço, automática, chamada Sistema 1; outra mais lenta, que requer esforço do decisor, chamada Sistema 2. Na maior parte do tempo usamos o Sistema 1 e não pensamos muito a respeito das opções na cantina ou restaurante que costumamos ir, fazemos compras nas lojas e supermercados que costumamos fazer e somos fiéis a marcas de comida, bebida e roupas simplesmente pelo costume e porque, dessa forma, não precisamos pensar muito a respeito e podemos decidir de maneira rápida e fácil.
No mesmo livro, Kahneman cunhou a sigla WYSIATI que é a redução, em inglês, da frase “O que você vê é tudo que há” que reforça a tendência do ser humano em extrair conclusões parciais de cenários complexos. Essa propensão pode, no entanto, produzir vieses ao conduzir o Sistema 2 a endossar histórias que o Sistema 1 criou para entender e relacionar as informações disponíveis naquele momento. Tudo isso, sem, necessariamente, considerar a qualidade das informações.
Para exemplificar, será tratado das notícias mais combatidas pelo Ministério da Saúde. No primeiro caso, o alerta foi emitido pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) manifestando preocupação com o potencial maléfico que essas mensagens podem trazer e com a comunicação de grandes veículos sobre métodos alternativos para tratamento, sem cuidado com seleção de fontes de base científica.
O segundo caso está entre as fakes news mais combatidas pelo Canal Saúde sem fake news, do Ministério da Saúde, informações falsas sobre as vacinas têm preocupado bastante as instituições, visto a queda de cobertura das vacinas que já haviam sido erradicadas no Brasil.
O Ministério explica que essa fake news foi proveniente de um estudo apresentado em 1998 sobre uma possível relação de algumas doenças com o autismo, no entanto, posteriormente esse trabalho foi retirado da revista publicada por ser considerado falho. Retomando também que “fake news” é um termo genérico para descrever todo um fenômeno de desinformação. Considerando as categorias de desinformação, essa notícia em si poderia ser classificada como fora de contexto e manipulada.
Ambas podem ser exemplo de que, com o efeito de propagação em massa e, principalmente no segundo caso, somada com a mensagem “os Governos sabem”, conferindo um tom alarmante, pode contribuir para sustentação do efeito viral das notícias falsas e um viés proveniente da heurística de disponibilidade. Caso surjam outras fake news sobre o mesmo assunto, as pessoas que já tiveram acesso a essas duas reforçarão seu pensamento de que ambas são reais e verdadeiras porque já estarão familiarizadas com o tema alarmante, o que elas verão é tudo lhes parece estar disponível naquele momento (WYSIATI). Garantindo um ciclo vicioso de compartilhamento e propagação de notícias com o mesmo conteúdo.
Também é possível verificar o WYSIATI na manchete sensacionalista inclusive, pode levar a sensação de “já vi isso” e “parece-me conhecida essa informação” e a percepção de a informação já é conhecida da pessoa que a faz propagar um conteúdo falso.
Ambas notícias apresentam algumas sugestões de que as notícias são falsas, como falta de recursos para aprofundamento de fontes, apelo para personalidades famosas ou instituições e erros gramaticais, e no último caso, apresentar um tom alarmante. Mas isso é tema para outro texto.
Texto baseado na Monografia de Curso de Graduação “Fake News: uma análise sob o foco da Economia Comportamental”, defendida em 2019. Da monografia resultou um artigo publicado na Revista Economia e Desenvolvimento da UFSM.